Se você, assim como eu, nasceu até a metade da década de 90, provavelmente passou a infância inteira brincando e se divertindo de forma analógica, a “rua” e os jogos de tabuleiros eram as nossas diversões. Mas se você faz parte da Geração Z ou Millennials talvez não faça ideia do que eu esteja falando.
Os tempos mudaram, vivemos na era digital, em uma sociedade datificada, em que os dados são a causa e efeito da acelerada transformação social.
Estamos cada vez mais conectados com o mundo virtual (24 horas por dia – 7 dias por semana), potencializado ainda mais com a chegada do Metaverso.
Contudo, você já se perguntou quais são os impactos que essa (hiper) conectividade tem causado no desenvolvimento físico e emocional de milhares de crianças e adolescentes ao redor do mundo inteiro?
Por meio do presente artigo, busco trazer uma breve reflexão sobre o tema para que juntos possamos enriquecer este debate, e com isso venhamos encontrar soluções adequadas a assegurar o pleno desenvolvimento social e emocional das crianças e adolescentes, já que, essa (hiper) conectividade somado à hiper vulnerabilidade, propicia a criação de rastros e perfis digitais desde o início de suas vidas, me acompanhe.
O TikTok, aplicativo de vídeos lançado na China em meados do ano de 2017, rapidamente se tornou uma das redes sociais mais populares entre os adolescentes. O aplicativo já conta com mais de 1 bilhão de downloads.
Segundo os termos e condições de uso do aplicativo, a idade mínima para cadastro na rede social é de 13 anos. Contudo, não é o que ocorre na prática, isto porque, no ano de 2021, foi noticiado o incidente da morte de duas crianças, cada uma com apenas 10 anos de idade, que ao tentar realizar um dos desafios propagados na rede social, conhecido como blackout challenge, acabaram falecendo por asfixia.
Em ambos os casos os pais tinham conhecimento que as filhas utilizavam a rede social, mas não sabiam o tipo de conteúdo que era consumido.
Para além disso, temos ainda o recente vazamento de um estudo interno conduzido pelo Facebook e publicado pelo jornal The Wall Street Journal, evidenciando – o que todos nós já sabemos – que o Instagram é uma rede social tóxica e prejudicial aos seus usuários, em especial para adolescentes do sexo feminino.
Um dos relatórios, de março de 2020, diz que “32% das garotas afirmam que, quando se sentem mal com seu corpo, o Instagram as faz se sentirem pior”.
Um estudo realizado nos Estados Unidos e Inglaterra, apontou que 40% das jovens que se consideravam pouco atraentes começaram a se sentir assim no Instagram; entre os meninos adolescentes, o índice é de 14%. Mas, apesar dessa constatação alarmante, as adolescentes não deixam necessariamente de usar a rede. Ou querem deixá-la, mas não conseguem.
Não se pretende aqui excluir os benefícios que o uso das redes sociais pode oferecer para a interação social e desenvolvimento pessoal, além da geração de riquezas proporcionada pela exploração econômica por inúmeros usuários, mas isso é assunto para um outro artigo.
O propósito é debater os riscos que possíveis violações à privacidade e proteção dos dados envolvendo crianças e adolescentes, em especial pelas big techs (Google, Instagram, Facebook, TikTok entre outras) podem causar, já que a lesão a esses direitos, têm a potencialidade de causar danos permanentes que, se ainda não se revelam no presente, por certo serão manifestados num futuro próximo.
Portanto, é dever de todos, pais, sociedade civil e autoridades públicas, a disseminação da educação digital para crianças e adolescentes.
No Brasil, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, criança e a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.
Com o advento da Lei 13.709/2018, popularmente conhecida como LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), houve referência especial quanto ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes:
“Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente.
Para que uma empresa possa então tratar os dados pessoais deste grupo, é indispensável o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal (§ 1º), salvo as exceções contidas no § 3º do citado artigo.
Porém, nota-se que ainda pairam certas dúvidas interpretativas e lacunas regulatórias que, em razão do tratamento em larga escala destes dados pessoais, podem acabar sendo prejudiciais ao melhor interesse da criança e adolescente.
Basta uma rápida rolagem no seu feed e facilmente encontrará perfis de crianças com idade abaixo dos 13 anos – idade mínima imposta para utilização da plataforma -, que em muitos casos não é monitorado/supervisionado pelos pais ou representante legal.
Isto porque, as crianças podem facilmente adulterarem a sua data de nascimento ou ainda forjar o consentimento parental para terem acesso a conteúdo e aplicativos que sejam de seu interesse, o que representa uma grave falha no sistema de verificação da autenticidade da idade informada ao criar a conta.
Sim, é dever dos pais monitorarem as atividades dos seus filhos nas redes sociais, porém, para além disso, é de total responsabilidade da plataforma criar mecanismos de segurança eficazes para impedir a ocorrência deste fato.
Pensando nisso, a LGPD transportou do regulamento europeu de proteção de dados pessoais (GDPR), a ideia do privacy by design (art. 46, 2º), que traz o conceito que todas as etapas do desenvolvimento de um produto ou serviço que fará o tratamento de dados pessoais deve se basear na proteção da privacidade dos usuários, de modo que tal conceito deve ser observado pelas empresas ao desenvolverem serviços e produtos que tenham como usuário final crianças e adolescentes.
Outra grande problemática do uso das redes sociais é o direcionamento de publicidade microssegmentada para este grupo, em razão da abusividade do uso de dados pessoais para fins de exploração comercial infanto-juvenil ou ainda a superexposição dos filhos pelos pais, através da prática conhecida como (over) sharenting.
Com isso, podemos concluir que o uso inadvertido e inconsciente das redes sociais por crianças e adolescentes, aliado ao tratamento excessivo de dados por parte das big techs deste setor, podem ocasionar inúmeros prejuízos ao seu pleno desenvolvimento social, intelectual e emocional, sendo indispensável o trabalho de conscientização desse público, além da fiscalização e criação de políticas públicas mais efetivas, para que, talvez, não nos deparemos mais com incidentes como o caso das duas meninas mortas asfixiadas ao tentarem realizar um desafio na rede social, ou ainda de jovens adolescentes que não se aceitam fisicamente por talvez não estarem dentro dos padrões de beleza disseminados no ambiente virtual.
Referências:
Revista Eletrônica da PGE RJ: Proteção de Crianças e Adolescentes na LGPD: Desafios Interpretativos
Privacidade e Proteção de Dados de Crianças e Adolescentes – ITS
TIC Kids online Brasil – Certc.br