Quem manipula seus dados pode manipular seu voto?
A era informacional trouxe uma contribuição significativa para o estreitamento das relações sociais, além de fomentar em larga escala o consumo de produtos e serviços cada vez mais personalizados ao gosto do consumidor, tudo isso graças a utilização de dados pessoais, que permite às empresas conhecerem cada vez melhor o seu consumidor.
Com isso, os dados pessoais passaram também a ser um ativo de extrema importância o no contexto eleitoral, afinal, os políticos querem cada vez mais conhecer o seu eleitor, para que então possam conquistar o voto dos eleitores.
Quem não se lembra do escândalo da Cambridge Analytica que utilizou, sem o devido consentimento, os dados pessoais de aproximadamente 50 milhões de norte americanos que possuíam conta na rede social do Facebook, para fins eleitorais? Segundo informações apuradas à época, a empresa (Cambridge Analytica) teria tido acesso aos dados pessoais ao lançar um aplicativo de teste psicológico na rede social Facebook. Aqueles usuários que participaram do teste acabaram por entregar à Cambridge Analytica não apenas as suas informações, mas os dados referentes de todos os seus amigos do perfil. O objetivo era catalogar o perfil das pessoas e, então, direcionar, de forma mais personalizada, materiais pró-Trump e mensagens contrárias à adversária dele, a democrata Hillary Clinton.
No contexto brasileiro, tivemos na última corrida presidencial realizadas no ano de 2018, a eleição de um candidato que contava com apenas 8 segundos de tempo no programa eleitoral televisivo, mas que, em razão de uma grande mobilização nas redes sociais, foi capaz de vencer as eleições, um acontecimento nunca antes visto.
Os dois casos narrados revelam como o tratamento de dados pessoais dos eleitores por políticos e partidos políticos podem impactar diretamente no resultado de uma eleição e, com isso, definir o rumo de uma nação. Diante deste cenário, se faz necessário trazer luz sobre o tema sob a perspectiva da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).
Para além das relações empresariais/comerciais, a aplicação da LGPD se estende para o contexto eleitoral, vez que, políticos e partidos políticos se enquadram na definição de controlador e operador de dados pessoais (art. 5, VI e VII da LGPD). Merece destaque ainda, o fato de dados relacionados a opinião política e filiação política serem considerados dados sensíveis (art. 5º II, LGPD), de modo que atrai uma atenção e cuidado especial com o seu tratamento. Com isso, toda vez que dados pessoais forem utilizados para fins eleitorais, quem os coletam e utilizam-se deles, devem respeitar a privacidade dos eleitores e adequar-se às normas de proteção de dados pessoais (LGPD).

Segundo Colin Bennett e Smith Oduro-Marfo, “o tratamento de dados pessoais para fins eleitorais está no cerne dos esforços para o combate à manipulação eleitoral”.
Não se questiona aqui o papel fundamental que a comunicação entre político e eleitor desempenha para a consolidação do processo democrático, contudo, a indagação se volta para quais seriam os limites de informações que determinado político e partido político devem ter para performar o seu interesse legítimo em estabelecer uma comunicação efetiva com o eleitorado. Sempre que um tratamento de dados pessoais ocorrer nesse contexto, é imperioso que venha acompanhado de uma base legítima (art. 7 e 11, LGPD), além da observância dos princípios da finalidade, adequação e necessidade (art. 6º, LGPD), assim como a disponibilização de um canal direito para que o titular de dados possa exercer os seus direitos enquanto titular de dados pessoais (art. 18, 19 e 20, LGPD).
Por isso, a LGPD tem se mostrado como um balizador indispensável na formação de uma relação de confiança entre políticos e eleitores, bem como para assegurar a estes as condições necessárias para uma escolha autônoma e bem-informada. Isto porque, o tratamento irregular de dados pessoais e, em particular, de dados sensíveis, no âmbito de campanhas políticas, podem gerar impactos negativos sobre a lisura do processo eleitoral e sobre a igualdade de oportunidade entre candidatos.
Não é segredo que o uso indiscriminado dos dados pessoais em campanhas políticas podem desencadear uma onda de desinformação eleitoral, filtros-bolha e polarização política. O grande desafio que se apresenta nas eleições presidenciais de 2022 é a contenção da disseminação de fake news, tanto é assim que o Tribunal Superior Eleitoral em parceria com o aplicativo de mensageria instantânea WhatsApp, discute medidas para evitar a disseminação de fake news nestas eleições presidenciais. Uma das medidas adotadas será a criação de um canal de denúncias de disparo em massa de mensagens, assim como o desenvolvimento de um chatbot oficial do TSE no próprio aplicativo (WhatsApp), que tem por finalidade facilitar o acesso do cidadão aos serviços da Justiça Eleitoral.
Portanto, é de suma importância que os candidatos e partidos políticos observem e cumpram as disposições da LGPD, assim como o eleitor, titular de dados pessoais, tenha total consciência e possa exercer a sua autodeterminação informativa no que tange o tratamento dos seus dados pessoais por este grupo, o que somente será possível por meio de um processo de educação digital, que lhe permita identificar conteúdos direcionados, fake news, de modo que possa exercer a sua cidadania, por meio do voto, de maneira livre e consciente.
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